terça-feira, 3 de fevereiro de 2009


Existem diversas mortes e não apenas seres e plantas morrem. Os budistas comparam a vida à um rio que você não pode simplesmente comtemplar: a vida é um rio dentro do quel você está e alguns usam o verbo "viver" unido ao "morrer" - viver/morrendo, pra ilustrar essas mortes cotidianas que temos todos.


Bom. Quando uma relação, um amor, uma amizade ou um ódio morrem, morrem com ele qualquer coisa de quem o sentia - para o próprio e para o Outro. Mas não tudo. Quando deixamos de ser amados, de certa forma morremos para quem antes nos amava. Isso pode se dar de forma negativa - quando morre nossa presença, nossa importância e nosso calor-, ou de forma positiva, quando simplesmente deixamos de existir da forma como existíamos e pssamos a viver e participar em outros planos.


O Mundo dos Mortos não é tão triste assim...


Quando Mumtaz Mahal faleceu dando à luz ao seu 14° filho, seu marido, o imperador Shah Jahan construiu em sua homenagem o Taj Mahal. É um mausoléu para o amor da sua vida, mas também uma prova suprema desse amor.

Com o Taj Mahal Mumtaz Mahal foi eternizada... A princesa não morre na sua morte física e tampouco morre o amor de Shah Jahan com a impossibilidade de tocar, beijar e abraçar sua esposa. Eles se transformam... os amores e os seres amados.


O Taj Mahal representa pra mim - porque assim o quero ver - o simbolo supremo de que os amores continuam existindo depois das tranformações. O Grande Homem constrói para sua princesa morta e transformada um palácio, o mais lindo de todos, para guardá-la, protege-la, honra-la. E a princesa morta e transformada, por sua vez, não assombra o Grande Homem com a vida passada - ela embeleza a vida que segue para Ele.


Evidentemente a dor dos amores mortos nos remete, num primeiro momento, à morte de todos os sonhos dos amantes. É preciso, nessa hora, ser grata ao mundo pelos sonhos já vividos e entender, por mais que doa, que o melhor que podemos fazer é contruir nossos palácios em honra à esses amores. Palácios lindos, que protegem e eternizam. Palácios que honram. Palácios que tentem alcançar a beleza do que foi vivido, para que o mundo saiba que as transformações, as mortes e as perdas deixam algo de bom: a lembrança.


O Taj Mahal está lá, acima de tudo, para os descrentes... para que vejam todos, toquem todos, uma centelha de amor em forma de mármore.


E eu, que também acebei "morrendo" de tanto amor, aproveito para agradecer pelo palácio em que descanso: cá, no outro plano em que caminho, onde já não posso mais tocar, beija e abraçar, sinto que nada foi em vão e que a beleza das coisas ecoa para sempre, basta que sejam verdade.


Na minha transformação eu descanso sob a mão que me protege, me apoia, me socorre no desespero e afasta o que pode me causar mal... sem contar que a vista pe linda, rs.


Obrigada, Grande Amor... obrigada por tudo.

Salomé.




Na peça de Oscar Wilde Salomé é amada por Herodes - marido de sua mãe - e pelo Jovem Sírio, mas cai de amores por São João Batista: o estranho e louco profeta que o marido de sua mãe mantém preso no poço do palácio.




Não conheço bem a versão bíblica de Salomé, mas na peça ela passa longe de uma prostituta ou de uma libertina: é uma menina, mimada e infantil, que tem seu amor de paixão renegado e enlouquece.

Acho lindíssimo... Alguns pontos, principalmente.

Salomé não faz uso de sensualidade. Ela não se vale do amor dos outros dois homens por ela até se apaixonar por João. Herodes ela evita e o Jovem Sírio ela ignora. Mas quando se apaixona ela rapidamente entende que o amor é capaz de tudo e, primeiro, convence o Jovem Sírio a abrir o poço onde Joaõ se encontra, promentendo lhe lançaar um sorriso e um olhar no dia seguinte.

O Jovem Sírio abre o poço e em seguida se mata, quando constata que Salomé ama João. Salomé nem percebe.

Depois Salomé cede aos assédios de Herodes, que diz lhe dar qualquer coisa, até a metade do seu reino, se Salomé dançasse para ele. Ela o faz jurar cem vezes, na frente de todos, que lhe dará qualquer coisa, qualquer uma. herodes jura, Salomé dança (a dança dos sete véus, rs) e pede a cabeça de João.




Salomé não é exatamente, nesse ponto, uma bruxa vingativa e malvadinha. Ela não pede a cabeça de João por vingança, por recalque do seu amor renegado. Também por isso, talvez, mas não foi a maior motivação... Salomé queria beijá-lo. Salomé não poderia continuar vivendo sem beijá-lo. Mais do que tudo ela queria aquele beijo e, como João lhe negava, aquela era a única maneira de consumar seu amor.

O interessante é que João não olha em nenhum momento para Salomé. Ele só a ouve e a repudia, ordena que se afaste, se altera, se irrita, mas não a olha, se nega a isso... Talvez porque soubesse que a desejaria. Salomé foi a grande tentação de João, eu creio... E ele resistiu.

Eis uma das falas finais de Salomé, já com a cabeça de João na bacia de prata:

"(...)Que farei agora, Iokanan? Nem os rios, nem as grandes águas poderiam apagar a minha paixão. Era princesa, tu me desdenhaste. Era virgem, tu me defloraste. Era casta, tu me encheste as veias de fogo... Ah! Ah! Porque não me olhaste, Iokanan? Se me houvesses olhado, hever-me-ia amado. Sei muito bem que me haverias amado, e o mistério do amor é maior que o mistério da morte. Só para o amor se deve olhar"

Remete ao desespero dos que já se transformaram tanto que não podem ser mais nada, não tem volta...

E depois Salomé beija a cabeça de São João Batista.

"Ah! Beijei tua boca, Iokanan, beijei a tua boca! Havia um gosto acre nos teus lábios. Seria o gosto do sangue?... Mas talvez seja o gosto do amor. Dizem que o amor tem um gosto acre... (...)"

Herodes ordena a morte de Salomé.

Bom... trágico, eu acho. Todos os grandes e loucos amores o são. Reparem que a História e a literatura são fartas de exemplos que comprovam que os grandes amores são os não consumados, o que caem secos no chão, cedo ou tarde.

Sem o julgamento moral de Salomé e sem levar tudo ao pé da letra - afinal de contas é inconstitucional arrancar cabeças por aí - percebemos que ela é bonita no seu desespero. Percebemos que seu amor, que no início parece um capricho tolo, a amadureceu em algumas horas, a tornou mulher e a levou a extremos muito loucos.

Salomé não se iludiu em nenhum momento. Morreu sabendo-se não amada e seu único convencimento era vão diante dos fatos: que João a teria amado se a tivesse visto. Mas não viu e Salomé sabia muito bem que estava sacrificando tudo, inclusive a si própria, por um amor unilateral. Por um beijo. Só um... numa boca morta que nunca a desejou.

Acho que poucos loucos de amor foram tão tristes quanto Salomé.