terça-feira, 26 de fevereiro de 2008


Descobri esse brilhante artista numa página do segundo caderno de segunda feira, abandonada numa mesa de bar.
Me apaixonei pela forma com que ele mescla bondade na expressão do mal e maldade da expressão do bem.
Afinal, é dessa mescla que se fazem as coisas todas.
Ninguém é só bom ou mau. Ninguém pode ter só seu bem ou seu mal amado, nem odiado.
Muitas vezes julgamos com muita severidade os demônios alheios e os nossos próprios. Não devemos nos esquecer que somos amados com eles, apesar deles e às vezes até por eles. E também somos capazes do amor.
Vamos fazer as pazes com nossos gênios malvados. É uma boa saída para apazigua-los, já que matá-los pode não ser possível ou até nos descaracterizar. É uma boa saída para ressaltar a bondade das nossas faces, e a paz do nosso coração.
Ah, e o artista se chama Marcelo Grassmann.
"tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta"

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Só pra não dizer que não falei das de Atenas...



Mulheres de AtenasChico Buarque - Augusto Boal/1976

Para a peça Mulheres de Atenas de Augusto Boal

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem, imploram
Mais duras penas
Cadenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos, poder e força de Atenas
Quandos eles embarcam, soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam sedentos
Querem arrancar violentos
Carícias plenas
Obscenas

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos, bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas
Helenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas




Outro dia me detive numa frase em especial da musíca (belíssima, aliás), Mulheres de Atenas.
Trata-se de: "sofrem pros seus maridos"

Que coisa, não??

Elas não sofrem por causa, mas sim pelos seus maridos. Achei no mínimo interessante esse pequeno detalhe e tenho certeza que Chico não iria trocar um "r" de lugar sem querer, rs.

Sofrer para/ sofrer por.

Fantástico.


Porque se doar em sacrifício tem cá sua beleza, estranha e única. E sofrer pra alguém é, sem dúvida, sofrer. Mas a diferença é tão fundamental que cá estamos, felizes!


Bom... é isso.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Suportar ou Superar


É muito comum falar em evolução da submissa. Volta e meia me deparamo com essa frase no meio e isso se dá com toda propriedade. É justo que uma das prerrogativas da entrega seja a predisposição ao aperfeiçoamento, a evolução.

O esforço é uma das marcas da submissa, é verdade, mas tanto pode elevá-la como arruína-la. Acredito nisso porque a interpretação de esforço e superação pode ser confusa. Podemos conseguir a mesma coisa, superar o mesmo obstáculo por diferentes meios e com diferentes conseqüências...

Deixa-me tentar explicar melhor.

Existem muitas expectativas acerca de uma submissa. Todas elas fazem sentido. No entanto ninguém deixa de sentir determinadas coisas automaticamente, só por ser sub. Isso não deve ser usado como justificativa para o comodismo, mas é um fato. E nesse ponto entra o esforço da submissa, a tentativa de progresso, de adaptação, de superação.
O problema é definir em que termos todas essas coisas acontecem e o que de fato é importante para identificá-las.

A boa submissa seria aquela que aprendeu direitinho como se sentar, como falar, como pedir, como responder e decorou direitinho os termos gringos para cada posição ou técnica? Sim, pode ser... mas é bom lembrar que não só cadelinhas como também ratinhos de laboratório e chipanzés aprendem muito rápido determinadas regrinhas de comportamento. Nem precisa ser um bom amestrador para ensinar isso a algumas criaturinhas: basta um saco de ração e um pouco de paciência.

Já no que compete a sentimentos e sensações, é complicado. Porque sou submissa não posso sentir ciúmes e nem nervoso no bico do peito? Bom, não é no que pode ou não pode que está o problema. Cada Casa com sua lei e cada um com seu bom senso e mais ninguém tem a ver com isso. O problema é que por conta das expectativas e do ideal de uma sub malabarista muitas meninas se julgam na obrigação de superar muita coisa. Fazem muito bem, se for sincero e se agradam ao Dono, mas há de se saber distinguir limites e limitações. Não que barreiras sejam barreiras e ponto final, mas é por que existe uma enorme diferença entre suportar e superar alguma coisa, e essa diferença é geralmente muito confusa diante de um caso concreto.

Você pode suportar seu nervoso no bico do peito e morder os lábios tentando pensar em um lugar tranqüilo e bonito enquanto reza para que seu Dono pare logo de tocá-los (afinal, ele gosta tanto e você é uma propriedade que precisa se entregar de corpo e alma), ou ser honesta, contar com a paciência daquele a quem você se entregou e, juntos, procurarem novas formas para que seu bico do peito seja tocado, até que de verdade você consiga fazer isso (ou não, e daí conversem sobre o assunto e cheguem a alguma conclusão), o que é, se você pensar bem, tentar progredir para uma entrega mais sublime. Esse é um exemplo fraco, de algo que geralmente é facilmente resolvível, mas pode ser transferido pra muitas outras situações mais graves e complicadas.

O que eu digo é que o desejo de superar é tanto que não procuramos analisar direitinho os mecanismos. Não que não haja beleza nisso, mas tão melhor é quando há beleza e sinceridade... Claro que nesse processo é fundamental a ajuda do Dono.
Não sei se é generalizado, mas às vezes tenho a impressão de que alguns Donos só se julgam como tal a partir de decretos e vontades caprichosas a serem atendidas. Subs de Dons assim enfrentam um sério problema. Muitos dirão nesse ponto, talvez: “Ah, mas sub tem sofrer, o sofrimento e a angustia são os ossos do ofício, patati, patatá...”.
Bom, posso estar enganada, mas existem dores e angustias que sim, são departamento da submissão, evidente que sessões BDSM não são compostas por massagens tailandesas e aguinha de côco num canudinho decorado, mas uma coisa é submissão sã, segura e consensual e outra é estupro de valores inevitavelmente inerentes à pessoa humana. Valores esses relativos e passíveis de releitura, mas ainda assim, valores. Submissas condicionadas à tirania insana de “tem que fazer, tem que ser, AGORA, anda logo, etc e tal” podem acabar virando ratinhos de laboratório absolutamente neuróticos e inseguros.

Nada foi superado. Não há evolução nisso. O que aconteceu foi um tratamento de choque e a instituição de uma devoção onde existe mais medo que respeito. É pouco possível que alguém que não tenha aprendido, mas decorado na base da paulada esteja satisfeito, sabe...

Sabemos que não é uma democracia, existe uma hierarquia e nosso respeito a ela depende de um respeito a nós, ao nosso Dono, à nossa Casa. A superação e a evolução da submissa têm o intuito de torná-la melhor, serena, capaz, grata. Isso dificilmente será alcançado se ela não tem oportunidade de refletir sobre suas limitações e defeitos. Ninguém muda o que não entende que está errado. Se o papel da sub inclui o esforço, o do Dono inclui a proteção e o acompanhamento. Para guiarmos o nosso esforço para o que Lhes agrada é necessário que saibamos o que Lhes agrada.

As formas mais sutis de exercer autoridade são também as mais eficazes...
Subs que passam por essa situação nem têm culpa pelo equívoco de suas intenções. Não têm sequer oportunidade de refletir sobre elas, vivem num estado de tensão muito prejudicial a si próprias, principalmente, mas que a acaba prejudicando a relação, desvirtuando o sentido da submissão. Mas a maioria dos casos o que acontece é confusão mesmo. A sede de servir bem e cumprir sua cota mensal de esforços é tanta que confunde a capacidade de julgar.


Mas, enfim, dentro do possível eu acredito que antes de se propor a superação de algo, deve-se pensar muito bem no caminho, devem-se respeitar seus próprios sentimentos e não tentar bloquear mentalmente as dificuldades. Não só para garantir a sinceridade da tão estimada entrega, mas também pela garantia da nossa própria sanidade sentimental, não menos importante.

Parece clichê ou receita de auto-ajuda, mas é verdade.

Contentar-se em suportar qualquer coisa pode parecer um grande feito e quem sabe possa até ser. Mas superar é diferente. Superar sim, é fruto do esforço, do alto conhecimento, é mecanismo de entrega. Só entrega alma quem tem uma. E existe um abismo entre uma sub esforçada em superar o que macula seu caminho e uma porta de juntas flexíveis e respostas perfeitas decoradas... Até porque a indústria erótica já se prontificou em produzir bonecas infláveis bastante jeitosinhas, que além desses atributos da dita porta falante, não sofrem de TPM e ocupam um espaço bastante reduzido no armário...

É isso que eu acho...
E por assim pensar e por assim procurar me conduzir (e eu erro, como erro! Aff...), só tenho a agradecer ao Dono, pela paciência com que me guia
...